ZONA SUL

Prédios bonitos, grandes, ocupam toda a vista,
Mármore e granito, blindex, lentes escuras,
Espelhos que iluminam toda a praça, tarde de sol,
Árvores, sombras, bancos, idosos, crianças,
Vento da praia, rajadas fortes, calor, dia gostoso.

Brinquedos que não param, para lá e para cá,
Como quisessem inventar novos trajetos,
Balanço, escorrega, gangorra, gira-gira, pipoca,
Espelhos iluminando toda a graça, brincadeiras,
Corre e corre, bola, bicicleta, corre-corre, alegria.

Estatuas que se animam, ganham vida nos gritos,
Palavras entoadas pelos troncos, pela folhagem,
Pelas flores, a praça é toda vida, urgente, vigorosa,
Compromissada com a energia, criançada travessa.
Um menino, negro, cheira cola sob o caramanchão.

Estranha maneira de comunhão, quieto, sozinho,
Um menino cheira morte num canto de sombras,
Protegido dos olhares mais distantes, mãos firmes,
Segurando um saco plástico, rosto inerte, aspiração,
Disfarçando sua miséria, cheira cola... cheira cola...

METRÔ

Três meninos, crianças, deitados no chão,
Sono pesado, bem próximos uns dos outros,
No alto da passarela, roupas velhas, rasgadas,
Sono pesado, rostos colados no concreto, dor,
Três meninos, crianças, cobertos de solidão.

Lembrei-me do meu filho, não sei porque,
O beijo pensado olhando-o na cama, anjo,
Saída apressada, pasta pesada na mão,
Espera, chuva, ônibus, passarela e escada,
Três meninos, crianças, dormiam no chão.

Não era cedo, não era tarde, apenas um dia
Começando como outro qualquer, trabalho.
Deitados dormindo, indiferença, desproteção.
Grades fechadas, anunciando que não há trens,
Três meninos dormiam na porta da estação.

Muita gente, passagem obrigatória, tráfego.
Parada de ônibus, cruzar a avenida, escada,
Passarela, corrida contra o tempo, relógio.
Hora marcada, começar apenas mais um dia,
Três meninos, crianças, dormiam no chão.

Degrau por degrau, avançando, muita pressa,
Subida longa, cansaço, rotina, surpresa,
Indiferença, como outro dia qualquer, solidão,
Lembrei-me do meu filho, na cama, beijo, anjo,
Três meninos, crianças, dormiam no chão.

EU QUERO SER...

Viver feliz será possível?
Um meio de tanta desgraça,
Uma sociedade perversa,
Que nos devora a miúdo.

Uma menina que dorme
Sobre um carrinho de mão,
Outro, um bebe que espera,
Não sei o quê, sentado na calçada.

Viver feliz será possível?
Dizendo não ao que passa,
Bala, doce chiclete,
Um meio de tanta desgraça.

Olhar procurando uma gang,
Antes de passar a roleta,
Prevenção sinistra, hábito,
Movimentar-me na metrópole.

Observar corpos no passeio,
Cobertos com plástico preto,
Enrugados no frio da noite,
Mera semelhança com a morte.

Viver feliz será possível?
Sem tristeza, depressão,
Num meio tão perverso,
Viver feliz será possível?
Nenhuma postagem.
Nenhuma postagem.

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